domingo, 15 de junho de 2008

Voltando das cinzas!

Depois de mais algum tempo sem postar, volto com um conto, ou uma historia, tudo depende do meu humor, talvez tenha continuacao, talvez nao. Mas ai está:


Do outro lado do abismo

Para todos aqueles os quais a vida não sorri, a noite acontece no bairro mais periférico da cidade e no bar mais sujo do bairro. O Clube do Uísque é uma dessas típicas espeluncas de beira de esquina onde todos os cânceres sociais se reúnem. Marginais de todos os tipos, bêbados, desempregados, prostitutas e cafetões são a freguesia local, infelizes são os pobres coitados desavisados que acaba indo parar lá.

Do outro lado da rua ficava uma dessas igrejinhas cristãs protestantes de nome esquisito que brotou ali há alguns anos ninguém sabe como. O fato é que a maioria daqueles do bairro que não estava no bar, estava rezando junto com o fervoroso reverendo que bradava seus salmos, alto o suficiente para se ouvir de dentro do barulhento Clube do Uísque. A missa daquela noite se estendia até tarde e os primeiros bêbados começavam a protestar.

A missa finalmente terminou, os crentes iam saindo um a um fuxicando futilidades ou abençoando seus irmãos em seus perigosos caminhos de volta para a segurança de suas casas debaixo de uma forte chuva que viera com uma grossa nuvem. Rapidamente os crentes evacuaram sobrando alguns poucos, até que sobrara apenas o reverendo que trancava a igrejinha.

O reverendo Jonas era pastor há pouco tempo e se tornou por vocação, o pai era pastor e o avo era pastor, teve mestres a vida toda para seguir o caminho da luz. Mas naquele dia, após terminar de trancar a igreja e esconder minuciosamente a chave no lugar de praxe, notou que havia esquecido seu guarda-chuva. Reverendo Jonas esforçou-se para não praguejar e sentiu-se satisfeito por conseguir – a paciência é uma das virtudes divinas.

Protegendo-se da chuva debaixo do precário telhado da igreja, o reverendo percebeu que acabaria encharcado antes que a chuva passasse, não queria voltar para o lado de dentro, era lhe desagradável ficar só. Do outro lado da rua estava o Clube do Uísque, podia ser uma boa chance de avançar com sua missão na terra e arrebanhar mais alguns fieis. Tirou sua bíblia do bolso e sentindo-se agora mais preparado, marchou firmemente para o outro lado da rua.

O reverendo passou pela pequena porta de vai-e-vem e ficou pasmado com o mundo ali dentro. Totalmente indiferentes a sua presença, prostitutas se esfregavam em clientes, bêbados vomitavam nas mesas, brigões se empurravam e jogos de azar movimentavam dinheiros e disputas a um satânico som de rock. Baratas subiam as sujas paredes de tintas descascadas e ratos furtavam migalhas em mesas onde bêbadas roncavam sonoramente.

Uma prostituta com o corpo envelhecido dez anos a mais que a sua idade real e com a maquiagem bizarramente malfeita encostou-se no reverendo, esfregando seus seios suados e fétidos no pobre homem, que permanecia paralisado no mesmo lugar.

- E ai queridinho – sussurrou a prostituta no ouvido do reverendo – não está afim de uma... – ela fez um gesto com a mão e a boca.

O reverendo se arrepiou, sentiu-se sujo por pensar naquilo, puniu a si mesmo perante Deus em seus pensamentos e então finalmente reagiu.

- Minha... – parou e pensou meticulosamente na palavra que iria usar – senhorita, eu...

- Vamos, pra você faço mais barato bonitão! – insistiu ela.

O reverendo começava a suar, aquela mulher tinha que ser salva, todos ali tinham que ser salvo, mas primeiro tinha que livrar-se da tentação!

- Ele não quer mulher – disse então um sujeito alto, cabeludo de rosto queimado pelo sol que utilizava uma jaqueta de couro e uma calça jeans suja de graxa – se manda daqui!

Resmungando, a prostituta se afastou e a indiferença no local permanecia. O som rolava e o show bizarro local continuava. O reverendo aliviado abençoava a Deus a graça de alguém ter vindo salvar lhe, só podia ser o dedo do Todo Poderoso!

- Sente-se em minha mesa e estará seguro – disse o estranho de jaqueta – quer um uísque?

- Aceito o primeiro convite – apressou-se a dizer ele – mas não bebo.

- Como queira.

Os dois sentaram-se em uma mesa úmida e suja num canto isolado e menos barulhento.

- O que faz o pastor aqui neste local tão... Sórdido? – perguntou o estranho.

- Esqueci meu guarda-chuva – respondeu ele, avaliando tenso a sua situação – mas mudando de assunto, como se chama irmão, para que eu possa agradecer-lhe mais adequadamente?

- Meu nome é Lúcifer – ele estendeu a mão.