segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Inédito

Dois post em dias seguidos!! É um milagre, ou é apenas efeito do vinho adega que estou bebendo
e esse clima de chuva lá fora.
Postarei a segunda parte do texto.


Sujo, podre e imbecil - Ri por ultimo quem se ferrou primeiro. PT2


Quando acordei eu tava numa maca de hospital com a cabeça e meu tronco mumificados com gaze. Uma enfermeira gorda estava me vigiando.

- É o inferno? – perguntei ainda meio grogue.

Revoltada a enfermeira não respondeu, mas eu estava certo de que era algo no mínimo parecido. Eu estava num corredor junto com um monte de outros sujeitos com feridas de todos os tipos, ossos quebrados, ferimentos à bala e membros decepados.Vomitei no chão.

- Mas que merda - disse a enfermeira gorda, com um pano já preparado para estas eventualidades.

- Como cheguei aqui? – perguntei em meio à náusea que aquele lugar e as dores me causavam.

- Aquela menina ali lhe trouxe – a enfermeira apontou pra uma mulher pequena que dormia encostada num banco de madeira. Era a mesma do bar.

Cai no sono por alguns instantes, mas acordei pouco tempo depois com alguém gritando. Dei de cara com a mulher que me levou pra lá. Não tinha notado antes, mas seus cabelos eram cortados na altura dos ombros e suas bochechas lembravam as de uma criança.

- Acordou agora? – perguntei.

- Há algum tempo.

- O médico lhe deu alta, você mora aonde?

- Sei lá.

- Como assim, sei lá? Não tem casa?

- Não tenho grana.

- Pais?

- Não.

Preocupada e sem saber o que fazer a enfermeira pareceu lhe sugerir algo que não ouvi, ela não parecia gostar muito da idéia, mas estava cansada e com sono por isso achou que era a melhor opção a ser tomada no momento, já que o hospital também estava lotado e não fazia mais sentido eu continuar ocupando mais uma de suas macas.

Ela ia me levar para casa dela, foi o que descobri mais tarde quando dois enfermeiros brutamontes me ajudavam a andar pelo estacionamento.

- Não tente nenhuma gracinha – ela disse – ou chamarei a policia.

- Relaxe – respondi – seu namorado cuidou disso.

Minha resposta não pareceu deixá-la muito confortável, o que era visível. Talvez ela tenha achado a estupidez do almofadinha desnecessária. Mas isso não mudava o fato de eu estar todo quebrado e mal conseguir andar e nem tinha conseguido ficar bêbado!

Me colocaram no carro dela, no banco do carona. O carro era um desses populares com um pouco mais de sofisticação, como banco de couro e uma caixa de som potente. Ela entrou no carro e sem falar nada enfiou a chave na ignição.

Um relógio eletrônico no meio daqueles que também medem temperatura também estava apontando o horário de meia noite e quarenta e três minutos. A mulher tinha uma expressão séria no rosto. Desviei minha atenção para uma case de CDs perto do vidro da frente, sem pedir, peguei e abri, por algum tempo fiquei vendo o que tinha ali. A maioria do que tinha era muito ruim, bandas horrorosas que fazia sucesso ano após ano no carnaval, até que achei Creedence!

- Você costuma sempre ser assim? – perguntou ela, quebrando o silencio.

- Assim como?

- Pegar coisas ou sentar em mesas ocupadas sem pedir? Isso pode acabar muito mal pra você um dia.

Tirei o Creedence do case e enfiei no radio. A primeira musica era Fortunate Son, a musica que regeu a trilha sonora do filme Duro de Matar 4, no qual Bruce Willis esteve mais durão do que nunca, encarnei o espírito da coisa enquanto curtia o som, talvez estar ferrado não fosse tão mal assim.

- Bacana esse CD – eu disse.

- Essa coisa velha deve ser do meu pai – ela respondeu mal humorada.

- Bicho, eu tomei um chute na costela de seu namorado, fui demitido e não tou com essa carranca na cara, relaxe.

O semblante dela ficou menos carregado. Mas continuava sem falar muito, depois de algum tempo em silencio e repetir diversas vezes a mesma musica, cortei o silencio.

- Não foi tão ruim assim.

- O que?

- Bom, apanhar do seu namorado – ela olhou pra minha cara, sem entender nada – antes disso você não me deu atenção e queria que eu fosse embora, agora quem está no seu carro sou eu e não seu namorado. Daria um bom filme.

Ela riu e quase enfiou o carro num poste! Tive um sobressalto e segurei o volante, o que salvou nossas vidas. Depois de alguns momentos em silencio, admirando nossas vidas sãs e salvas, decidimos que íamos parar num posto para nos recuperarmos do susto. Sentamos em cadeiras de plástico da loja de conveniência vinte e quatro horas e dividimos uma cerveja, duas, três tudo curtindo o CD que continuava rolando no carro. A rua estava deserta e a balconista do lugar cochilava em sua cadeira.

- Qual o seu nome rei? – perguntou ela – não acredito que ainda não tinha lhe perguntado.

- Não precisou minha identidade no hospital?

- Era publico, sabe como funciona, né?

- É, fui cobaia disso. Me chamo Marcos.

- Eu sou Amélia.

O papo começou a fluir, e começamos aquela coisa de contar quem somos, ela era estudante universitária de filosofia na UFBA, tinha vinte e dois anos e trabalhava na loja de tecidos do pai.

- Verdade que você foi demitido hoje é?

- Na verdade me demiti.

- Oxe!? Porque?

- Tava afim, ser mecânico é uma merda.

- Você é doido? Como vai viver? Seu pai te dá dinheiro?

- Meus pais me libertaram para o mundo depois que comecei a estudar psicologia e me formei. Queriam que eu fosse médico.

- Isso não é coisa que se faça com um filho!

- Tou melhor agora do que antes.

- Você é um cara estranho rei.

- Pois é.

- Você num é daqueles doidos não né?

- Que doidos?

- Hippies.

Eu gargalhei alto e senti uma dor profunda nas costelas que me fez encurvar quase todo. Amélia veio tentar me socorrer com um remédio contra dores, mas recusei, dizendo que sou alérgico a estes tipos de remédios, mas na verdade queria apenas continuar bebendo.

- Porque acha que sou hippie?

- Cabelo grande, barbudo, sujo e gosta de rock.

- Ah.

Pedimos outra cerveja, bebemos praticamente em silencio.

- Temos que ir, ta tarde – ela disse então.

- De boa. Eu pago.

- Como você diz. Relaxe, eu pago, você ta sem grana e apanhou do meu namorado, te devo essa.

Saímos de lá, passamos por outro relógio eletrônico e já apontava quase duas da manha. Estávamos meio grogue, a cerveja misturada ao cansaço batia uma onda em nós visível, o carro tinha voltado à região da orla e dava para ver as barracas da praia.

- Eu morava por aqui quando criança – eu disse.

- É?

- Para o carro naquele estacionamento.

Ela estacionou, ficamos parados olhando o mar, ficamos em silencio de novo por mais alguns instantes.

- É estranho.

- O que?

- Mal te conheço, mas tou a fim de te dar?

- Massa.

Passamos o resto da noite trepando no carro. E como eu havia dito antes: não foi tão ruim assim.

Nenhum comentário: